Saturday, May 06, 2023

HELPLES !

 

HELPLES (PARA SARA-1985).

Um amigo passou de onibus e me viu na Praça da República fazendo uma consulta de búzios com aqueles proto macumbeiros que ficam nas ruas. Morri de vergonha!
Eu andava consultando buzios,fazendo despacho com Gilberto, uma forte entidade que morava em Bangu, periferia do Rio de Janeiro.A minha depressão subira picos altíssimos pós separação- em 85, o ano do Rock In Rio- e eu vivia procurando ela por todos cantos, bradando que ela e Deus seriam a mesma pessoa e tudo nao passava de um golpe revanchista, punitivo da parte dos Dois. O sofrimento era indescritivel, nao comia direito,não conseguia mais dormir, perdi 8 kilos: a minha vontade sumiu!

               

Recreio (RJ), verão de 2001.


Ela possuía temperamento bélico e como se toda minha culpa, todos meus fracassos como homem e no relacionamento, se derivassem da herança deformada e perversa do meu passado. Ao mesmo tempo,ela alternava esse belicismo com atitudes zen, assim me deixando sem armas e argumentos. Hoje eu tenho capacidade de entender o que vivi com ela e perdi o bonde de ter aprendido toda sua generosidade e entrega com os filhos. Com os amigos na rua eu sabia como lidar,em casa,com a família,eu era um total fracasso, não tinha paciência e não entendia o universo das crianças, tratava elas como adultos e sem limites, tudo era permissivo. Estava no início daminha carreira internacional na turnê do Tom Jobim ao redor do mundo e tinha pouco convívio familiar.

Eu me sentia inocente de todos meus atos adúlteros, por viver em constante desordem moral, eu não me via e tampouco o outro. Era um monomaníaco com ideias fixas. Eu vivia constantemente as minhas fantasias e as vezes ia a tona,na superfície,pra fingir uma participação, mas estava sempre alheio ao outro.Falava sempre do que iria fazer e não o que tinha feito, na busca constante utópica de revolução em plena abertura de 85.Eu era um caos ‘bem sucedido.’O excesso de informações e viagens me privava do governo  de mim mesmo, eu me levava aos prazeres rápidos num total egoísmo.   

A sensação de estar excluído me aterrorizava, desde a infância eu tinha esse medo,mas o que me acalentava era que ninguém de verdade me conhecia, nem os mais próximos; e eu tinha facilidade de impressionar os outros, sempre com uma máscara, isso desde os 5 anos de idade, como descrevia Sartre, a crueldade das crianças.

Mas eu a amava demais e tinha que conciliar a minha vida como protagonista e personagem de mim mesmo, um desfile de excessos com a vida familiar. Como era difícil! E a minha tática de desarmar o adversário eram as palavras, tantas frases pra convencer a Sara  a voltar comigo,o que aconteceu 8 meses depois, conforme o jogador de búzios já consagrado como meu ‘guru’previu.

Anos depois me senti penalizado por termos continuado pois em 88 o abismo e o precipício se tornou realidade: eu estava em alta voltagem romântica com outra mulher e segui com as duas mas aí começa outra estória...

ELA & EU

 Março de 2020- Florianópolis ( Ano I Pandemia)

ELA & EU

“Para Ana Paula porque sabe de tudo e sempre me ouviu.”

Abro minha mochila de viagem após uma semana  e ainda estão  lá todos fetiches que não realizei, a  gravata pra te vendar, gel lubrificante , fitas halliman e tapes para amordaçar e te  imobilizar.Onde foi que eu errei? Quando pensei em fazer ou quando minha timidez  alcoólica me impediu ¿ um tremor no orgasmo um espasmo na masturbação conjunta e me pergunto aos 60 anos: quem é esse cara que habita em mim? Quando eu errei? Havia algo fora do lugar mas não sabia o que,me sentia totalmente desarmado.

Após horas num bar que demoramos muito pra chegar pois erramos o caminho e era perto do local do show e dava até pra ir `a pé  segundo um amigo, e tanto funk improvisado  por nós na van, no percurso aleatório, e tanta cerveja artesanal-os meus olhos e ouvidos  dispersos  eu não conseguia me concentrar, eu não queria, eu não precisava.Anos depois percebemos a importância desse dia pois foi nosso último show da turnê Planeta Fome, Elza Soares,  que rodou todo o Brasil e parte da América Latina...e uma semana depois o mundo desabou.

Como um ventríloquo, eu disse que a amava, era o que ela queria ouvir e eu realmente  falei  isso pra poucas mulheres....mas nada fugia `a sua atenção. E seus olhos me julgando numa falsa sobriedade parecendo uma promessa de uma possível DR póstuma numa narrativa de acontecimentos e falas desencontradas e descontinuadas que tentamos travar o dia todo mas eu  sentia que ela se empenhava pra me separar desses sentimentos românticos.

Quando o álcool já bem tarde a deixara segura num estado reflexivo, ela me olhou nos olhos e disse:

“ sei como voce é, te conheço há muitos anos, às vezes violento, perverso, previsível e muito amoroso mas com qual destes eu vou seguir esses dias, qual destes você nasceu e qual adquiriu¿ “ 

Eu ri  bêbado e respondi: ” com todos demônios que habitam em mim.”

Foi tudo corrido e eu me sentia liberto no fim da noite mas eu precisava observá-la me observando . E ela me olhava com aquele domínio exato do tempo que as mulheres têm , e seus olhos  encerravam uma promessa que saberia tudo sobre você se o olhase por muito tempo, por isso evitava seu olhar.

E eu já  não tinha pressa  além  de estudá-la...E seu rosto suave de menina, como  uma noite sem lua,é claro.

Quando chegamos na sua casa, na  sala eu senti tentado a beija-la e fazer sexo  no chão, impor minha língua `a dela, usar todas firulas da mochila   mas uma canção não saia da minha cabeça:

” tanta coisa eu tinha pra te dizer mas sua presença-um longo silêncio- calou minha voz e meus atos.” Eu estava tão imerso na febre que o alcool me propiciou ligaçoes excitáveis em todo meu corpo.

Então ela me olhou e foi como se ela me  visse pela primeira vez, seus olhos me percorrendo as palavras todas as palavras  precisavam ser ditas e eu não conseguia falar nada, tanta coisa eu tinha a dizer mas nosso  tempo era curto  e tão pouco e eu me preocupava que as  minhas palavras se tornassem rudes ou inapropriadas diante de sua nudez ( tanto álcool) ... mas ai eu saquei que não, era eu que a via  pela primeira vez desnuda em seu corpinho sem falar  e perplexa com meu desconforto e timidez e...era o meu  silêncio que  dava certeza da minha solidão!

The End 1:

 Pois quando seria nosso próximo encontro¿ eu tinha que absorver cada segundo e guardar na minha mochila. Nosso  tempo era pouco, sempre foi, você sabe! Um beijo com cheiro de alcool, nos vemos, a van buzina,sifo pra Porto Alegre!Bye, bye.

 The End 2:

 Na hora da despedida, a van na porta, eu te convidei: Vamos  pra Porto Alegre ¿ Show no Opiniao, vai ser uma festa!

E você  indecisa perguntou, e as minhas roupas, to sem nada...eu disse: pegamos roupas no camarim.

Seguimos no ônibus e dormimos no sofá que apelidei de sofá dylanesco, devido ao seu costume de tantas turnês de bus, ele só conseguia dormir em sofás....mas isso seria outra história.

Após o show do Opiniao  quase te convenci a seguir  pra São Paulo...se tivesse vindo, imagina,  o fim do mundo desabou aqui dia 14 de março e até hoje temos os estilhaços disso.

Voce e essa noite, a Caverna Bugio... são as únicas coisas de Florianopolis que ainda me pertencem. Depois desses dias  tao intensos  tive receio que não houvesse algo capaz de surpreender-me e o medo de que não me abandonasse a impressão de querer voltar no tempo. Mas...

 

“Se você quiser eu danço com você no pó da estrada.
Eu danço com você o que você dançar, se você quiser eu danço com você”

Ronaldo Bastos|Lô Borges.

 

 “Mesmo que queimes o juízo, não me pagarás num século essa revelação”

JL Borges

Alguns erros de português são propositais, assim como vírgulas, pontuações. Eu escrevo a prosa livre falada de Neal Cassady. (com amor, pra Ana.)

OUÇA A PALAVRA ELÉTRICA VOL.1