Eu, Lili, Pyva e Mel e algumas questões durante um baile da Orquestra Imperial.
Quantas oportunidades você perdeu por não saber dançar?
Quantas vezes você dançou por não saber perder?
“Eu gostaria que ela me ligasse de madrugada, me fizesse surpresa no trabalho, me enviasse e-mails pornograficos, brigasse com ciumes de mim, escandalos em locais publicos.”. Começamos assim a conversa num restaurante, eu, minha irmã e duas amigas, a Mel e Lili, em São Paulo, semana passada.
Não nos víamos há muito tempo e era prazeiroso estar ali em companhia agradável e o papo corria. Conversávamos, enquanto a Orquestra Imperial não começava o baile, e matávamos as saudades.
Sabe, quando você fala em publico e ninguém presta atenção, parece que o teu assunto é desimportante e tal... eu me sentia assim no passado, agora eu superei, tem que se falar um pouco mais alto e olhar nos olhos de qualquer pessoa, escolhe uma e vai.
Eu queria ser amado, ser mais amado, tem fita métrica pra amor?, se ama mais que o outro?, porque o amor começa junto pros dois e geralmente quando acaba, termina só pra um, porque o amor não morre junto, como começa...?
Essas questões pululavam na minha cabeça entre uma cerveja e assuntos do passado remoto, nos anos 80, quando nós todos ( Lili e Pyva e amigos), havíamos acampado numa ilha carioca: Era uma vez uma expedição com 3 moças, moças? E 3 rapazes...
Eu pensava no meu amor, acho que perdido...Falei com Pyva, era o terceiro ou quarto aniversario que eu recebia presentes em branco, livros sem dedicatória, cds lacrados, agendas e fotos em branco, como se eu fosse um fugitivo, um marginal, algo que devesse ser escondido. Eu pensava, mas não falava pra Lili, o amor devia ter acabado, e pra mim, a prova cabal era essa, presentes sem nada escrito, um oi ou alô, até mesmo só assinando seu nome eu já aceitava, e agora, nesse ultimo aniversario, ganhei o Budapest do Chico Buarque, que li em três dias, totalmente em branco... Pensava nisso entre um chopp e outro e os olhos esbugalhados da Lili, minha amiga portenha com sotaque sacana carioca que minha irmã havia lhe ensinado entre gírias e palavrões brasucas que ela levou um tempo pra entender: e aí, como é que fica? Ela se distraiu e bebemos todos no seu copo, de sacanagem , pois ela disse ter nojo de copos compartilhados...depois ,pra completar, colocamos um pouquinho de cerveja de todos copos no seu...Ela riu e fingiu ter gostado, mas acho que não tocou mais no chopp.
Fomos pro Clube União Fraterna e a Orquestra tocava musicas dançantes dos 60. Não sei dançar, mas o excesso de drinks me deu a coragem dos bêbados e dancei. Com Pyva, no inicio, depois com Mel e depois não sei mas com quem, tinha uma roda de mulheres e eu rodopiava no salão feito um profissional com total segurança e me sentia extremamente feliz.
Eu pensava nisso tudo, da falta de amor enquanto falava com Pyva e a orquestra tocava. Nesse momento eu totalmente drink, talvez gago, queria falar com ela e as frases saiam incompletas: No niver do nosso pai, aos 71 anos....ela não ouvia mais e eu não conseguia acabar a idéia...as frases ficavam no ar e queria falar como foi importante a festa do nosso pai, como me senti feliz com a família reunida, o meu amor secreto, ali, ao lado, com seus pais e eu não podendo falar ou abraça-la ...Ela não ouvia mais o que eu falava, o som alto abafava minhas palavras e você nunca sabe ou não quer ouvir o que fala um bêbado por mais que você goste dele...vira um monologo, solilóquio...Na festa de 71 anos do nosso pai ele tentou reunir todos os amigos, achando que essa seria sua ultima comemoração...ela não me ouvia mesmo e eu estava totalmente gago a esta altura.
Ela me perguntava, um simples presente em branco, sem dedicatória, seria prova de desamor?, eu não conseguia responder, e as minhas frases eram inconclusivas, eu queria dançar, já não queria mais falar sobre isso e como Jose Costa, em Budapeste, só sentia vontade de sair fora, pegar um bilhete aéreo e não falar nunca mais com ela, deixa-la no vácuo...mudar de país como Jose Costa e ser lido por sua mulher. Na minha família ninguém me lê, talvez meu pai, deixei uns manuscritos no seu aniversario, que ele comentou, são fortes seus textos, né? Eu brinquei: são todos inspirados em ti, maconha, masturbação, tara por mulheres mutiladas....
Há algum tempo eu desconfiava da minha desimportancia na sua vida, eu era apenas um cara que lhe telefonava todos os dias na mesma hora com o mesmo assunto chato, com as mesmas estórias e falava sem parar porque ela não falava nada e eu não gosto dos espaços que ficam, das pausas, quando voce fala ao telefone e eu falava sem parar, eu percebia isso...eu falava sempre dos filhos, reclamava com ela dos meninos e sei que ela não gostava, talvez por se sentir culpada, eles passaram metade da vida com ela e agora moravam comigo...e eu reclamava sempre deles, dos meninos, que não eram mais meninos.
Mel queria dançar, e eu retornei ao salão, um musico me chamou e um fotografo me cobrou atenção... E a editora de uma revista qualquer, Quem, talvez,queria dançar ou falar comigo sobre a banda, a incrível estória do maestro Célio Varanda, mas o álcool e a musica já estavam alto na minha cabeça e eu não queria mais saber de trabalho, cadê a Pyva, será que eu dancei com ela? Estaria na fila do bar? Tem mais cerveja? Furei a fila no bar. Eu precisava de mais um drink.
Outro dia eu comentei com ela que era melhor dar um tempo na relação...eu via sua falta de apetite sexual, quase não me ligava...e ela não gostou, se aborreceu, interrompeu o almoço num bar no Jardim Botanico, ficou um mal estar...isso foi segunda, hoje é quinta e ela ate agora não me ligou, caso não telefone ate sexta vou começar a retirar suas fotos da cortiça e apagar seus vestigios, estou cansado de mendigar seu amor...migalhas de telefonemas e nenhum eu te amo...Farei um embrulho com seus objetos, esperarei uns dez dias e entrego pelo correio...nao, vou ficar bem quieto, minha ação será a não ação, minha resposta pra ela será meu silencio. Isso. Bem quieto é melhor. Pra que dar valor a quem não te ama? Homem que é homem não chora quando a mulher vai embora.
Aí, falei ao ouvido da Mel, não sei se ela ouvia: Amor, Ordem e Progresso. O quê? Ela berrava. Amor, o quê? Eu repetia no seu ouvido: Nós, eu, Macalé, Carlos Minc, Gabeira, Mario Pacheco, Arnaldo Baptista, Alex Polari, estamos propondo a inclusão da palavra Amor na bandeira do Brasil. Como? Porquê? É isso. O amor como plataforma nas campanhas políticas, queremos que o amor seja citado entre tantas metas, como educação, e etc. O amor vem por principio, a ordem por base e o progresso é que deve vir por fim. O Principio do Prazer? O amor. Ah, legal. Acho que ela só entendeu o final. Vamos dançar? A Orquestra tocava “Sem compromisso” do Geraldo Pereira e eu me divertia: quando pára o samba, bate palma e pede bis...Voce só dança com ele e diz que é sem compromisso, é bom acabar com isso, não sou nenhum Pai João. Maravilha, eu rodopiava com a quinta ou nona parceira no salão e me sentia grande e bonito, poeta e loquaz, verboso, essas sensações que só o álcool que te dá e perdi Pyva de vista e eu precisava de mais uma cerveja
Eu deixava meus textos de bobeira sobre os móveis, pensando que talvez ela pudesse ler. Estava cansado de ler meus textos pra ela e esperava suas opiniões em vão. Enquanto eu lia alto, percebia sua desatenção, ela pensava noutra coisa, olhava pro nada e eu perdia meu tempo. Comecei a sentir um prazer mórbido nas leituras obrigatorias...As vezes brincava que iria argui-la após a leitura e ela morria de medo...dizia estar chapada e que aquele não era o momento. Ela fingia que lia, as vezes, talvez por eu falar tanto sobre eles, contar detalhes, quando estivessem prontos, ela já não tinha mais saco de ler. Eu enviava por e-mail, ela dizia que não abria arquivos atachados, seu micro era micro mesmo e não abria.Então eu passei a copiar e editar, ctr c, ctr v, e mandava aberto no corpo do e-mail, mesmo assim, não recebia o menor comentário seu...As vezes comentava um erro de portugues ali, um erro de digitação aqui, mas eu percebia que era como as pessoas que não te escutam e ficam apenas repetindo o final das frases, fingindo, falando sei, sei....Ela não percebia o quanto era importante a sua opinião.
Eu contava isso pra Lili que ria e me segredava situações sobre seu casamento e temporada na Itália. Há quantos anos nos conhecíamos? Comentei que talvez eu tivesse conhecido mais sua irmã do que ela, mas não sei sei isso com certeza...eram os nebulosos anos 80 que tento esquecer.
Mel. Finalmente avistei Mel. Quase não tinha falado com ela, acho que passei o jantar todo falando de mim e de mim mesmo, numa ego trip, num olhar de umbigo, não a ouvi falar sobre sua carreira. Sua musica. Seu novo grupo. A gente fica tanto tempo sem se ver e quando se encontra é um atropelamento de idéias e sei mais dela pelo seu site do que...
Falamos muito de Migg, meu filho, e nossa temporada no verão de 99 em Ubatuba, desvendamos estórias etílicas que ninguém imaginava e ficava feliz de estar ali com a amiga, eu via pelo brilho de seus olhos que era importante nos encontrarmos.
Eu bebi a água lavada de sua blusa, cheirei suas calcinhas usadas. Foi isso. Ela me enfeitiçou há anos, eu não conseguia esquecer nada que envolvesse ela. Nosso ultimo encontro, um almoço, na segunda no restaurante Jóia, no Jardim Botanico, uma comida que não comi, uma despedida fria, com um beijo sem graça. Hoje é sexta e não nos falamos mais. Não vou ligar pra ela. Meu silencio seria um acinte? Eu que ligava todos os dias, mas ela reclamou...
Lili me pedia pra contar pela enésima vez a estoria do quarto escuro, uma estória antiga que contei infinitas vezes na nossa expedição da Ilha Grande, era assim, Lili, você imagina que está num quarto totalmente escuro, e aí rola uma relação oral com alguém do mesmo sexo que voce não sabia- e gostou-, porque o quarto era realmente escuro, era uma brincadeira, um jogo, não podia passar a mão no rosto, nem nada...aí,quando acabava, descobria que era alguém do mesmo sexo, e aí como é que fica? Passamos anos falando sobre isso, desde a expedição onde eram 3 garotos e 3 moças, moças??? Ela se divertia muito com seu sotaque maroto, carioca e portenho e seus lindos olhos de bilhas azuis. Ou verdes? A musica soava mais baixo e a gente conseguia se ouvir. Rodávamos pelo salão de arquitetura do século passado e a pista encerada, propícia a bailarinos incautos como eu.
Quantas vezes você dançou por não saber perder ?...
Eu vejo tudo se repetindo, o futuro se repetindo, não sei, a minha relação como um redemoinho, circular, onde o fim parece o inicio, o precipício do fim, vejo seu rosto, sua pele branca, branca, branca aos 19 anos, os lábios sensuais, libidinosos...tantos telefonemas, naquela época eu podia telefonar o tempo todo, hoje não...Já tem cinco dias que não falo com ela, me sinto junkie telefônico em plena abstenção...Perolas para poucos, pensei. Eu me sentia o máximo falando sem parar no telefone, gesticulando e imaginando sua expressão atenta, libriano e oral como sou.
Quantas vezes você perdeu por não saber dançar?
A orquestra diminuiu o ritmo e o volume. A fila no bar era imensa, já não queria mais dançar, o álcool subia e me sentia leve e sem culpa, totalmente inocente de tantos pecados no passado, a arrogância herdada de alguns anos de poder... o álcool tinha essa propriedade, fazia me sentir poeta e bonito e sem culpa. Acabou o baile mas a minha sede não, um roadie me surpreendeu falando que o ônibus já partiria. Me despedi das três amigas prometendo e-mails e visitas mais freqüentes...aquelas coisas que a gente fala quando se despede, se despede mil vezes quando se está embriagado... mil beijos e saudades.
Entrei no ônibus, adormeci e acordei no Rio, em pleno baixo Gávea às 10 da manhã, de ressaca. O sol parecia um carrasco com chicote nos meus olhos, e eu ainda não comprei meus óculos escuros, quando você me encontrar não fale comigo, não olhe pra mim, eu posso chorar, meus olhos ficam vermelhos, irritados, eu ainda não comprei meus óculos escuros, então quando você me encontrar, não olhe pra mim, eu posso chorar, eu posso chorar...
Olhando pro Morro Dois Irmãos, indo pro Vidigal, pensei e sorri: vou ouvir a musica de mim mesmo, vou deixar a barba crescer, espalhar minhas roupas pela casa, usar minha calça vermelha de Flash Gordon, ( tudo que ela detesta), e desistir desse romance sarapa. Não vou hipotecar minha liberdade, e ficarei feliz, diante dessa ruptura sinto-me terrivelmente mais livre pra escrever o meu sonho de amor perfeito, ou quase...
Escreverei minha estória em papeis de pão, em guardanapos nos bares e esquecer tudo...
Todos os personagens são reais e escrevi tudo isso sob o impacto de Budapeste, de Chico Buarque.
Pra Lili, Pyva e Mel que eu amo e me escutaram. Tantas palavras. Tontas palavras.
Byra Dorneles é alcoólatra confesso e calafate desempregado mas quer sair do nicho.
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Teste
abs
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