Sunday, May 01, 2005

Katia Buterfly


KATIA BUTERFLY

Fervorosa. Buliçosa.Fogosa. Incêndio do meio dia. Katia Buterfly era assim, por onde passava ficava seu rastro, sua marca, seu cheiro de fêmea no cio. Cadela, quente. Incendio do meio-dia, despertando paixões em homens, mulheres, animais, crianças. Aliciando menores, um jato de sexismo.
Katia tinha um namorado, Kadu, eram os anos 80 e ainda se namorava. Kadu. Sambista de berço criado na Tijuca, subúrbio do Rio metido a zona sul. Kadu era bem relacionado com os compositores de samba da velha e nova guarda. Respeitado pela bandidagem , então começando a se organizar, os traficantes, os braços locais. Mas Katia, tiete profissa, borboleta professa, só tinha olhos pra uma pessoa, uma então iniciante atriz e cantora pop, nordestina, que foi chamada de Tina Turner do sertão, Elba Ramalho. Eram os nebulosos, confusos anos 80.
Katia era modelo, business girl talvez, nunca se provou , figurinha fácil no underground carioca, fazia pontas em curtas obscuros, filmes B, pornográficos talvez , que passavam em salas também obscuras, no circuito alternativo internacional. Tinha talento nato, brilho, falava com profusão de detalhes, mutante vocabulário, gesticulava muito, misturava frases em inglês, português e francês com desenvoltura de quem tinha intimidade com as línguas e os paises, apesar de nunca ter saído do Brasil. Esbanjava charme e sensualidade. Over, é claro! Mas sua obsessão era Elba.Em qualquer buraco que Elba se apresentasse, lá estava na primeira fila e subia no palco, sempre, no bis. Me lembro de um grande show de Elba no Teatro Ipanema, produzido por Carlos Sion, em que Katia chegou cedo, já estava no sound check e Elba fingia não vê-la, querendo não dar importância, mas no final era a própria Elba que sempre puxava Katia pro palco e dançavam frenéticas e esvoaçantes como duas garotinhas de mãos dadas.
Katia era quente, ardilosa. Incêndio do meio-dia. Volátil.
Katia dizia que era modelo, figura desfrutável, sempre disponível, distribuía flyers nas horas vagas ( naquela época se dizia panfletos), no então badalado baixo Leblon. Fazia teatro a domicilio, aniversários, lia poesias nas ruas, intervenções e invasões em bares, museus, barca da Cantareira, que naqueles anos ( odiosos e difíceis pra mim) eram chamados de “performances” e que em 2000 seria conhecido como “Slam”.
Katia usava drogas? Não posso afirmar, naquela época o ácido puro, brow sugar, era algo precioso que só tinha acesso alguns malucos remanescentes dos 70 ( viviam atordoados pelas ruas com um brilho louco nos olhos) e a cocaína que era o forte das festas não era muito barata.
Uma vez fizemos uma viagem lisérgica, eu, Katia e Kadu na Quinta da Boa Vista.Ela com um gravador cassete tocando uma única fita, de quem? Elba, claro! Ouvimos “Ave de Prata” umas cinco horas seguidas, decorei todas as letras. Foi uma viagem mágica, era lindo ver Katia se movimentando, seu corpo cheio de luz...O sol nos seus cabelos, quantos elementos amavam aquela mulher? Ela não cansava de repetir uma frase de uma canção da moda: “Toquem o meu coração e façam a revolução...” Kadu ria e recitava numa mistura insana Augusto dos Anjos e Rimbaud, que ela desconhecia, dizia preferir os brasucas Torquato Neto e Chacal, ‘necessários e sagrados’ :
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim. “


Nessa época Elba fez uma uma turnê pelo nordeste, ficou um mês no Teatro do Parque em Recife. Katia pegou um ônibus e feito mariposa foi atrás da sua luz, sua deusa. Obviamente chegou na cidade sem um tostão, entrou pela porta de serviço do teatro, cheia de fotos, flyers, lambe-lambe, botons, e se instalou no teatro. Se escondeu nas coxias, entre refletores, cenários e todas aquelas tralhas que os produtores sempre esquecem nos teatros e ficou lá durante toda a temporada, (feito Patti Smith morando no cinema pra ver Mick Jagger, em Gimme Shelter) , conseguiu a cópia da chave do camarim e por lá dormia envolta nas roupas de Elba, embriagada e extasiada pelo perfume de sua musa.
Elba voltou e no seu primeiro show, no Canecão, nunca esqueci quando vi seu enorme nome na frente da casa, com letras garrafais, me lembrei quando fui roadie do Zé Ramalho e Elba fazia backing vocal na banda e ela dizia que um dia seria uma grande cantora e atuaria no Canecão...Fiquei ali um tempo olhando o cartaz e imaginando sua emoção, a força de uma mulher brilhante, vitoriosa, nas suas ações persecutórias pelo estrelato, ali, realizado. Eu me emocionei, mas não tive coragem de ir ao camarim falar com ela.
No final do show como sempre, no bis, aplausos, aplausos, a platéia em êxtase com o furacão Elba, ela chega na boca do palco com sua super banda regida pelo maestro Zé Américo, agradece ao público e puxa Katia da primeira fila...se abraçam, se beijam, pude ver as lágrimas que rolavam do rosto das duas, ali vitoriosas, agarradas, abraçadas, sob os refletores, o Canecão lotado, uma explosão de energia.
Se elas transavam, tinham um caso, nunca se soube, talvez tudo fosse inofensiva brincadeira, Kadu era condescente, Katia tinha amigos e amigos e há muito que ele fazia vista grossa pra tudo...Katia era pipa voada, bala perdida, nas sextas- feiras colocava duas calcinhas na bolsa e uma escova de dentes e Deus sabe pra onde ia, com quem dormia...
Business girl, talvez? Ninguém sabia. Sensualidade over, sim.Incêndio nos cabelos. Katia exalava um forte cheiro de flores, um cheiro todo seu, inconfundível que desorientava as pessoas.
Acabaram os anos 80 (ainda bem!), vieram os mornos anos 90 e eu sobrevivo no disfarce da minha poesia. Fui ano passado no aniversário de 40 anos do Kadu e falamos muito sobre Katia daí nasceu a idéia de escrever sobre ela. Ele disse que Katia vive hoje numa cidade no litoral do sul, balzaquiana reclusa ou quarentona precoce, ninguém sabe ao certo sua idade...Montou uma escola pra modelos, business girl talvez, meninas que queiram o estrelato fácil, aqueles 15 minutos de fama que Wharol previu e os realitys shows comprovaram, pontas na Globo, filmes B, ensaios fotográficos nus, paparazzos...
E kadu, decidiu finalmente gravar seu cd, pode-se encontrá-lo as terças e quintas num bar de Copa, reduto de samba. Ali, com a barba por fazer, alcoólatra confesso, dependente de barbitúricos, cheio de livros nos braços, ele recita e confunde sua própria vida com seus poetas, Augusto dos Anjos, Nelson Cavaquinho, Baudelaire, Cartola...Entre uma conversa e outra, sempre as mesmas frases, feito mantra: “Eu sou um outro...”
Elba Ramalho, todos sabem onde chegou, uma mega star. Em 96 co-produzi o espetáculo “Grandes Encontros”, com Elba, Alceu Valença, Geraldinho Azevedo e Zé Ramalho, uma idéia embrionária do Moraes Moreira, e numa turnê pelo Nordeste, ficávamos nos intervalos no camarim, eu, Elba e Zé e recordamos essas estórias em Caruaru, ela ria muito mas não se ateve ao assunto groupie Kátia...O Quarteto acabou, após gravar dois cds, com imenso público no Brasil devido a ciumeiras e outros lances não publicáveis. Era de se imaginar, num certo momento do show, Elba parecia uma rainha abelha e o caras apenas músicos coadjuvantes...parecia que apenas o Zé Ramalho gostava de gravitar em torno dela, de seu brilho, tanto que eles continuaram em duo no Rock In Rio.
Fica na minha cabeça uma frase que a Katia cantava sempre:
“Temos todo o tempo do mundo. Somos tão jovens.”
Será mesmo, Katia Buterfly?

Todos personagens são reais, apenas alguns trechos foram romanceados, dedico este conto ao Fausto Fawcett e Tavinho Paes.




No comments:

OUÇA A PALAVRA ELÉTRICA VOL.1