Thursday, December 18, 2008

BYRA DORNELES MORREU.


Byra Dorneles morreu.

Por Flavia Arantes.

“há algo de horrível na realidade mas não sei o que é. Ninguém me diz”

Ele chegava sempre as quintas-feiras na minha casa. Trazia geralmente uma garrafa de vinho,as vezes de marca, noutras,vinho barato ou ceveja preta-ele adorava cerveja preta. Com o passar do tempo eu também passei a gostar. Seus vícios,todos seus vícios se tornaram meus. Eu era o amor no reflexo dos seus olhos. Narciso refletido nas minhas taças de cristais. A esperança narcísica de um auto-encontro.
Chegava com a garrafa de baixo do braço,um brilho febril nos olhos. O assunto era desconexo a principio,eu tinha uma sensação de irrealidade, soava como alguém a beira do abismo. Mas era o tipo de loucura que colocava as coisas em movimento. Ele fazia isso em mim. Colocava as coisas em movimento. Sem os seus sonhos e delírios, viver serviria pra que¿
Falava de coisas grandes, amor, Focault, Kant...falava do tempo, sempre o tempo, que ele não estava apenas a frente e atrás mas também em outras direções...em perpetua colisão com o futuro.Me revelava com palavras duras e percepção perversa assuntos vencidos, coisas de família que não me interessava ali,naquele momento...falava e falava e falava e colocava musicas, as mesma musicas, tocava incansavelmente as mesmas musicas como se estivesse viciado nelas como uma droga. Em êxtase e desespero. Numa noite ouviu por horas a fio uma seleção de musicas que abria com Mr. Bojangles de Dylan e continuava com uma canção do filme Moulin Rouge com Tom Waits.

Ele chegava sempre as quintas, os cabelos desgrenhados, falando sem parar.... se perdia por ruas conhecidas.Ligava varias vezes, perdido, as vezes na esquina.
Falava de sua briga, seu conflito com deus, sempre deus, sua compulsão repetitiva.
Falava como se fosse seu próprio divulgador insano e apostolo.
Falava de Lennon com a intimidade dos mortais. Falava de Lennon e Arnaldo dos Mutantes como se eles estivessem ali, ao seu lado. As vezes era difícil acompanhar a velocidade de seu pensamento e as mil estórias que contava, ia de um assunto pro outro sem respirar, sem virgula, sem pontuação. Costumava brincar que falava como Kerouak escrevia -ou como Sartre e Saramago,naquela sintaxe em que a velocidade habitava, a velocidade era o seu tempo. Sartre descrevendo as ruas de sua Paris sitiada, na Idade das Razão, sempre no mesmo bar e no mesmo lugar. Assim como íamos pro bar do Almeida na Cardoso e sentávamos sempre no mesmo lugar. Sempre. A TV ligada e os assuntos eram sempre os mesmos, circulares, sua poesia, sua família, amores passados. E eu ali, coadjuvante do seu delírio, parceira de sua loucura, fui descobrindo aos poucos, que servia- na sua insanidade repetitiva e autista-como uma terapia. Mesmo que eu não ouvisse ele falava e falava e falava. As lembranças, suas próprias lembranças o tiranizavam, o passado sempre ali na mesa do bar. Uma urgência de falar e viver como se seus dias fossem um único dia.

Chegava sempre as quintas e num impulso logo ia pro quarto ver o sol se por. Ficava na janela lembrando das feiras-livres das terças, o sol ia desabando e esparramando cores e sombras pelo quarto. Ele gostava de experimentar minhas jaquetas orientais cheias de medalhas, citando Vapor Barato do Macalé...seus dedos cheios de anéis...Tinha manias estranhas ditadas pela solidão. Varava as noites no meu computador e escrevia silêncios. Dizia que a moral era a fraqueza do cérebro. Isso era discurso no bar do Almeida.

Foi inevitável eu não me contagiar com a excitação a sua volta, seu jeito, como ele mesmo dizia de ‘caçador à espreita do novo’...ele comentava que sua necessidade de escrever vinha de seu desajuste com a vida, que não conseguiria nunca resolver com acão, com atos, por isso escrevia, como bem disse Caio Fernando de Abreu.

Na sexta dia 19 de dezembro de 2008 ele morreu. Não senti tanto sua falta porque eu já sabia do fim próximo. Recolhi todos seus objetos, poucas coisas e fui pro bar do Almeida com meu I-pod e o som que ele tanto ouvia....sentei na mesma mesa de sempre, a TV ligada altíssima e lembrei de uma frase do Borges que ele citava:
“Se meu ouvido alcançasse todos rumores do mundo, eu perceberia seus passos”

Ps: Ao vê-lo inerte, no seu tumulo pedi que gravasse, na sua lapide, uma frase do Caio Fernando Abreu que condizia com toda nossa estória:

"Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu ."

Sunday, December 07, 2008

lembrar-me de esquecer-te


aos berros ele corria pela praça parobé
nao se sabia ao certo quem ele queria atingir
mas no topo vinha a sociedade civil higienizada
e a sua família, principalmente
os caras das ruas, que tomam conta dos carros e vendem bagulhos malhados
tentaram se intrometer
mas a questão era familiar e secular
e os caras que vendem bagulho sarapa nao tem moral nem valentia contra os insanos, os bebados loucos da praça parobé
minha covardia incompreensivel me impedia de entender o todo
tanta revolta espelhada e espalhada na minha cara
por fim, virei tudo aquilo que ele dizia mas nunca fui...
virei tudo aquilo que ele dizia, que ele queria que eu fosse
mas eu nunca fui:

vitima, objeto de irracionalismo
a fragmentaçao da família
ali, na praça parobé

e todos otarios metidos a malandros parados pensando no ataque na praça parobé
ele não sabia que homem algum chegou a ser realmente o que queria
ou então ser completamente ele mesmo
mas, ali na praça parobé aos gritos não era o local ideal pra se discutir isso
levando assim, consigo, atitudes de um mundo primitivo...
e foi principalmente por não querer gritar
as vezes grito no meu quarto porque não tenho radio e canto minhas canções
alguma coisa dentro de mim dizia algo sem palavras
por isso me calei deixando que a situação familiar
se abatesse mais uma vez sobre mim
espesso como um tijolo
ele não sabia que primeiro teria que se entender como homem, interpretar-se ( na praça parobé)
somente a si mesmo e assim depois entenderia uns & outros

obs: feito Kant anotei na minha agenda:
“lembrar-me de esquecer-te”

Pra Xico Sá porque mora na Consolaçao!


Ode & Amor a SP

entre gritos e ipiranga esgoto a céu aberto

na augusta e paulistas

os punks as putas os travas os emos
as anfetas as bolas balas todos os vicios e delicias

na consola a desolaçao, tantos rios pequenos

Esse cheiro de borracha queimada!!!
e esse cheiro de borracha queimada!!!!

o desespero das filas no roldão a perda da individualidade
a massa nas filas dos metrôs a previsibilidade das massas
a massa e à inércia passiva

a exclusao do amor o apito das fabricas
mutante cidade excitante cidade

ambientes áudio-confusos!
ambientes áudio-confusos!

a impossibilidade pratica de ser feliz com tantos automoveis
eles invadiram a simples-cidade

os proto-bandidos de quinta na Corifeu suburbia
o trafico acéfalo, sem comando, desorientado
o trafego desorientado

o q deus fazia antes de criar Sao Paulo?
O que deus fazia antes de criar São Paulo?

O QUE DEUS FAZIA ANTES DE CRIAR SÃO PAULO?

O QUE DEUS FAZIA ANTES DE CRIAR SÃO PAULO???

OUÇA A PALAVRA ELÉTRICA VOL.1