Thursday, June 02, 2011

Anjos tortos, Parte I



Quando o telefone tocou, às 17:00, eu estava na produtora, pensando em guardar os papéis e tomar meu primeiro drink, mas, a noite me reservava surpresas que eu jamais imaginaria...

- Oi, é a Sofia de São Paulo, estou na praça Mauá, Byraaaaaa! Gritava no telefone, pedindo help, pra que eu conseguisse um hotel barato na cidade.

Recentemente, ou talvez, desde sempre, tem sido assim, virei ímã de maluco, depois que li sobre a vida do beat Neal Cassady, comecei a perceber com mais clareza. É natural e já me acostumei, assim como o Bukowiski, que os malucos viviam batendo na sua porta a procura de álcool e ação e orgias, como se a gente vivesse o tempo todo assim.

- Hotel pra quê, mulher? Fica na minha casa...Tudo bem com sua amiga, qual o nome? Luli? Trank, conhece Copa? Me encontra no boteco Luar de Prata! Fechado, em 30 minutos.

Fiquei pensando em como elas tinham chegado ao Rio. Moravam na periferia de Sampa.

No bar. Falamos sobre literatura subterrânea, drogas ilícitas, se eu ainda usava e tal. Eu gostava muito de artane, mas isso já tem muito tempo. E a cena musical, Sampa e o rock e som que se ta fazendo por todo o Brasil. Comentei que havia estado em Goiânia e que a cidade fervilhava musica, rocknroll e que conheci uns meninos chapantes chamados Réu e Condenado, com letras debochadas, meio Mutantes e Zumbi do Mato, o Noise-Goiania.

Voltando. Sofia e Luli tinham empregos distintos. Sofia trabalhava num selo e era editora de um site, tudo subterrâneo, tudo alternativo. Luli, num escritório frio, no centro da cidade. Sofia tinha uma bicicleta, a Camila, com pneu furado há meses, Luli um carro importado do ano. Com tantas diferenças o que unia as duas? De onde vinha a amizade? Mas elas tinham um ponto em comum: a fome, a sede infinita pelas drogas. Sofia era editora de um e-zine e colaboradora num selo alternativo, fazia muito barulho e trabalhos comunitários, na periferia onde morava. Luli trabalhava num escritório muito, muito careta, um lugar extremamente frio. Ela tinha que pagar as contas, manter a gasolina daquele carro, pagar todas as multas, grana pras drogas e assim se divertiam muito.

Aí, numa tarde ensolarada, passeando de carro, fumando um beck e falando baboseiras...quando viram estavam na Dutra indo pro Rio, me ligaram, procurando hotel e começou a saga...

Luli tinha um cachorro, Sly, em homenagem à banda soul dos 70, Sly & The Family Stone. Como não gostava de beber sozinha, pensava que assim a chamariam de alcoólatra, viciou seu cão no álcool. A principio foi difícil, ele odiava cerveja e vodka, mas com o tempo começou a gostar de cerveja preta, e assim, passavam os fins de tarde e noites enchendo a cara...O próximo passo, é claro, foi dar umas baforadas de maconha na cara do Sly que gostou muito e passou a chorar a dar voltas pela casa quando não tinha a brenfa ou a cerveja. Um dia, Luli encontrou Sly pela manhã com um papelote enfiado no focinho...Não deu outra, o cão havia se tornado tri-atleta, viciado em todas as drogas, e o que a preocupava mais, era que com o alto preço da ração, era quase o mesmo valor da carne de segunda, estava ficando difícil manter todos os vícios do Sly, e Luli não podia culpa-lo, pois afinal, foi ela quem iniciara o cara na vida mundana. Havia somente uma vantagem nessa estória toda: não havia Narcóticos Anônimos para cães e nem terapeuta. Ela tentou a fórmula de um amigo guitarrista, sequelado de Copa, Luiz Penetra: pare de cheirar, cheirando. Consistia em diminuir gradativamente o consumo até parar por completo. Luiz estava há anos nessa dieta e até agora...Desistindo, ele havia composto um rocknroll: Parei de falar que parei. Era um clássico entre os drogados que não conseguiam parar, mas tentavam...

Conheci Sofia numa palestra sobre fanzines, a Futuro Infinito. É claro que ela rapidinho saiu e encalhou no primeiro boteco da esquina. Gostei dela logo de cara por causa da sua infinita sinceridade, olhões pretos enormes e a sede e a velocidade com que bebia, me fez lembrar dois amigos, o Tavares e o João, que bebiam um chopp com dois goles Eu gosto de pessoas assim que bebem sem culpa, um puta prazer...ela me dizia que não se sentia alcoólatra, que ela que escolhera o álcool e não a bebida que a escolhera, que pararia de beber a hora que quisesse, e que no momento não queria...que o álcool era seu aliado...Mas a bebida não te faz mal? - Sim, nos dias em que não bebo fico um trapo. Das minhas. Foi amizade ao primeiro copo. Bukowski? Era garoto perto dela...

Luli. Achava que tinha síndrome de Peter Pan. Não, disse Sofia, é síndrome de Sininho, você é mulher. Luli comentava que há mais de cinco anos ia aos mesmos lugares e eram as mesmas pessoas e as mesmas musicas e ela achava que não iria crescer nunca, morava com os pais apesar de ter mais de vinte anos e não sabia que profissão queria seguir e...Sofia ria e apertava mais um, dava mais um gole na cerveja e dizia num tom sacana e desencantado que deviam deixar essas questões pra mais tarde, afinal, somos tão jovens...e esse assunto me deprime e arde demais os meus olhos e cutucar as feridas é um modo de manter o sofrimento, nós não gostamos de sofrer, deixa isso pra lá, vamos aproveitar...Onde vira a chave pro off?.

Luli ia às festas ficava com uns cinco meninos por noite e não levava nenhum deles pra casa, ela achava o máximo, algo do tipo voltei-a-ter-15 anos... Mas era infeliz, tinha medo de mim mesma.

Sofia tinha um segredo, nem Luli sabia. Havia contraído uma rara doença devido a sua proximidade excessiva com celulares e afins, objetos por controle remotos. Estava estéril e perdera a memória recente, às vezes no meio de um assunto esquecia o que estava falando, perdia as palavras, esquecia o significado real das palavras, a ponto de andar com um dicionário malocado na bolsa e uma fita crepe e uma caneta pilô que volta e meia usava pra nominar objetos óbvios como cinzeiro, sapato... Ela só tinha duvidas em relação a essa amnésia pois, como consumia muitas drogas... Por conta disso tinha uma ação milionária contra uma prestadora de celulares multinacional e vivia falando dessa grana, que injetaria no seu selo que só trabalhava com fitas cassete e agora poderia utilizar o seu velho sonho de editar tudo em vinil, com aquelas capas coloridas e imensas fichas técnicas. O problema seria como baixar o custo disso e a distribuição pro seu publico subterrâneo.


1 comment:

sani mara said...

Que texto bom,Byra...Qye fluidez na narrativa...Leve...Bem humorado. Ri muito da história do Sly...Sua postura tão leve e tão sem julgamentos em relação aos personagens é encantadora...É o que mais admiro no Bukowiski...
muito...muito bom!!!

OUÇA A PALAVRA ELÉTRICA VOL.1