Março de 2020- Florianópolis ( Ano I Pandemia)
ELA & EU
“Para Ana Paula porque sabe de tudo e sempre
me ouviu.”
Abro minha mochila de viagem após uma semana
e ainda estão lá todos fetiches que não realizei, a
gravata pra te vendar, gel lubrificante , fitas halliman e tapes
para amordaçar e te imobilizar.Onde foi que eu errei?
Quando pensei em fazer ou quando minha timidez alcoólica me impediu ¿ um
tremor no orgasmo um espasmo na masturbação conjunta e me pergunto
aos 60 anos: quem é esse cara que habita em mim? Quando eu errei?
Havia algo fora do lugar mas não sabia o que,me sentia totalmente desarmado.
Após horas num bar que demoramos muito pra
chegar pois erramos o caminho e era perto do local do show e dava
até pra ir `a pé segundo um amigo, e tanto funk improvisado
por nós na van, no percurso aleatório, e tanta cerveja
artesanal-os meus olhos e ouvidos dispersos eu não
conseguia me concentrar, eu não queria, eu não precisava.Anos
depois percebemos a importância desse dia pois foi nosso último show da turnê Planeta
Fome, Elza Soares, que rodou todo o
Brasil e parte da América Latina...e uma semana depois o mundo desabou.
Como um ventríloquo, eu disse que a
amava, era o que ela queria ouvir e eu realmente
falei isso pra poucas mulheres....mas nada fugia `a sua atenção. E seus
olhos me julgando numa falsa sobriedade parecendo uma promessa de uma possível
DR póstuma numa narrativa de acontecimentos e falas
desencontradas e descontinuadas que tentamos travar o dia todo mas eu
sentia que ela se empenhava pra me
separar desses sentimentos românticos.
Quando o álcool já bem tarde a deixara segura
num estado reflexivo, ela me olhou nos olhos e disse:
“ sei como voce é, te conheço há muitos anos,
às vezes violento, perverso, previsível e muito amoroso mas com qual
destes eu vou seguir esses dias, qual destes você nasceu e qual
adquiriu¿ “
Eu ri bêbado e respondi:
” com todos demônios que habitam em mim.”
Foi tudo corrido e eu me sentia
liberto no fim da noite mas eu precisava observá-la me observando . E ela me
olhava com aquele domínio exato do tempo que as mulheres têm , e seus olhos
encerravam uma promessa que saberia tudo
sobre você se o olhase por muito tempo, por isso evitava seu olhar.
E eu já não tinha pressa
além de estudá-la...E seu rosto suave de menina, como uma
noite sem lua,é claro.
Quando chegamos na sua casa, na
sala eu senti tentado a beija-la e fazer sexo
no chão, impor minha língua `a dela, usar todas firulas da mochila
mas uma canção não saia da minha cabeça:
” tanta coisa eu tinha pra te dizer
mas sua presença-um longo silêncio- calou minha voz e meus
atos.” Eu estava tão imerso na febre que o alcool me propiciou
ligaçoes excitáveis em todo meu corpo.
Então ela me olhou e foi
como se ela me visse pela primeira vez, seus olhos me
percorrendo as palavras todas as palavras precisavam ser ditas e eu não
conseguia falar nada, tanta coisa eu tinha a dizer mas nosso
tempo era curto e tão pouco e eu me preocupava
que as minhas palavras se tornassem rudes ou inapropriadas diante de sua
nudez ( tanto álcool) ... mas ai eu saquei que não, era eu que
a via pela primeira vez desnuda em seu corpinho sem falar e perplexa
com meu desconforto e timidez e...era o meu silêncio
que dava certeza da minha solidão!
The End 1:
Pois quando seria nosso próximo
encontro¿ eu tinha que absorver cada segundo e guardar na
minha mochila. Nosso tempo era pouco, sempre foi, você sabe! Um beijo com
cheiro de alcool, nos vemos, a van buzina,sifo pra Porto Alegre!Bye, bye.
The End 2:
Na hora
da despedida, a van na porta, eu te convidei: Vamos pra Porto Alegre ¿ Show no Opiniao, vai ser
uma festa!
E você indecisa perguntou, e as minhas roupas, to sem
nada...eu disse: pegamos roupas no camarim.
Seguimos no ônibus e dormimos no sofá que
apelidei de sofá dylanesco, devido ao seu costume de tantas turnês de bus, ele só
conseguia dormir em sofás....mas isso seria outra história.
Após o show do Opiniao quase te convenci a seguir pra São Paulo...se tivesse vindo, imagina, o fim do mundo desabou aqui dia 14 de março e até
hoje temos os estilhaços disso.
Voce e essa noite, a Caverna Bugio... são as únicas
coisas de Florianopolis que ainda me pertencem. Depois desses dias tao intensos tive receio que não houvesse algo capaz de
surpreender-me e o medo de que não me abandonasse a impressão de querer voltar
no tempo. Mas...
“Se você quiser eu danço
com você no pó da estrada.
Eu danço com você o que você dançar, se você quiser eu danço com
você”
Ronaldo Bastos|Lô Borges.
“Mesmo que queimes o
juízo, não me pagarás num século essa revelação”
JL Borges
Alguns erros de português são
propositais, assim como vírgulas, pontuações. Eu escrevo a prosa
livre falada de Neal Cassady. (com amor, pra Ana.)
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