Saturday, May 06, 2023

ELA & EU

 Março de 2020- Florianópolis ( Ano I Pandemia)

ELA & EU

“Para Ana Paula porque sabe de tudo e sempre me ouviu.”

Abro minha mochila de viagem após uma semana  e ainda estão  lá todos fetiches que não realizei, a  gravata pra te vendar, gel lubrificante , fitas halliman e tapes para amordaçar e te  imobilizar.Onde foi que eu errei? Quando pensei em fazer ou quando minha timidez  alcoólica me impediu ¿ um tremor no orgasmo um espasmo na masturbação conjunta e me pergunto aos 60 anos: quem é esse cara que habita em mim? Quando eu errei? Havia algo fora do lugar mas não sabia o que,me sentia totalmente desarmado.

Após horas num bar que demoramos muito pra chegar pois erramos o caminho e era perto do local do show e dava até pra ir `a pé  segundo um amigo, e tanto funk improvisado  por nós na van, no percurso aleatório, e tanta cerveja artesanal-os meus olhos e ouvidos  dispersos  eu não conseguia me concentrar, eu não queria, eu não precisava.Anos depois percebemos a importância desse dia pois foi nosso último show da turnê Planeta Fome, Elza Soares,  que rodou todo o Brasil e parte da América Latina...e uma semana depois o mundo desabou.

Como um ventríloquo, eu disse que a amava, era o que ela queria ouvir e eu realmente  falei  isso pra poucas mulheres....mas nada fugia `a sua atenção. E seus olhos me julgando numa falsa sobriedade parecendo uma promessa de uma possível DR póstuma numa narrativa de acontecimentos e falas desencontradas e descontinuadas que tentamos travar o dia todo mas eu  sentia que ela se empenhava pra me separar desses sentimentos românticos.

Quando o álcool já bem tarde a deixara segura num estado reflexivo, ela me olhou nos olhos e disse:

“ sei como voce é, te conheço há muitos anos, às vezes violento, perverso, previsível e muito amoroso mas com qual destes eu vou seguir esses dias, qual destes você nasceu e qual adquiriu¿ “ 

Eu ri  bêbado e respondi: ” com todos demônios que habitam em mim.”

Foi tudo corrido e eu me sentia liberto no fim da noite mas eu precisava observá-la me observando . E ela me olhava com aquele domínio exato do tempo que as mulheres têm , e seus olhos  encerravam uma promessa que saberia tudo sobre você se o olhase por muito tempo, por isso evitava seu olhar.

E eu já  não tinha pressa  além  de estudá-la...E seu rosto suave de menina, como  uma noite sem lua,é claro.

Quando chegamos na sua casa, na  sala eu senti tentado a beija-la e fazer sexo  no chão, impor minha língua `a dela, usar todas firulas da mochila   mas uma canção não saia da minha cabeça:

” tanta coisa eu tinha pra te dizer mas sua presença-um longo silêncio- calou minha voz e meus atos.” Eu estava tão imerso na febre que o alcool me propiciou ligaçoes excitáveis em todo meu corpo.

Então ela me olhou e foi como se ela me  visse pela primeira vez, seus olhos me percorrendo as palavras todas as palavras  precisavam ser ditas e eu não conseguia falar nada, tanta coisa eu tinha a dizer mas nosso  tempo era curto  e tão pouco e eu me preocupava que as  minhas palavras se tornassem rudes ou inapropriadas diante de sua nudez ( tanto álcool) ... mas ai eu saquei que não, era eu que a via  pela primeira vez desnuda em seu corpinho sem falar  e perplexa com meu desconforto e timidez e...era o meu  silêncio que  dava certeza da minha solidão!

The End 1:

 Pois quando seria nosso próximo encontro¿ eu tinha que absorver cada segundo e guardar na minha mochila. Nosso  tempo era pouco, sempre foi, você sabe! Um beijo com cheiro de alcool, nos vemos, a van buzina,sifo pra Porto Alegre!Bye, bye.

 The End 2:

 Na hora da despedida, a van na porta, eu te convidei: Vamos  pra Porto Alegre ¿ Show no Opiniao, vai ser uma festa!

E você  indecisa perguntou, e as minhas roupas, to sem nada...eu disse: pegamos roupas no camarim.

Seguimos no ônibus e dormimos no sofá que apelidei de sofá dylanesco, devido ao seu costume de tantas turnês de bus, ele só conseguia dormir em sofás....mas isso seria outra história.

Após o show do Opiniao  quase te convenci a seguir  pra São Paulo...se tivesse vindo, imagina,  o fim do mundo desabou aqui dia 14 de março e até hoje temos os estilhaços disso.

Voce e essa noite, a Caverna Bugio... são as únicas coisas de Florianopolis que ainda me pertencem. Depois desses dias  tao intensos  tive receio que não houvesse algo capaz de surpreender-me e o medo de que não me abandonasse a impressão de querer voltar no tempo. Mas...

 

“Se você quiser eu danço com você no pó da estrada.
Eu danço com você o que você dançar, se você quiser eu danço com você”

Ronaldo Bastos|Lô Borges.

 

 “Mesmo que queimes o juízo, não me pagarás num século essa revelação”

JL Borges

Alguns erros de português são propositais, assim como vírgulas, pontuações. Eu escrevo a prosa livre falada de Neal Cassady. (com amor, pra Ana.)

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