Saturday, April 22, 2023

lia me telefonou!

 São Paulo-verao de 2021.Ano II Pandemia.

Lia me telefonou.

 

Lia me acordou às 10h15. Eu acordo tarde e fiquei preocupado pois não nos falávamos há 15 meses, uma ruptura radical  com problemas familiares envolvidos. E eu...

 

E o nosso rompimento estava obscurecido pela violência de nossos sentimentos, assuntos pessoais não resolvidos e eu tinha que resolver ali no convivo toda minha utopia de louco, sonhador- era assim que eles me viam, sua família- e ela não merecia enfrentar aquela dor:



             “o que é de vidro quebra, por favor, não vá”





Eu disse pra Lia:

- os pecados dos seus pais te perseguem até que você decide dar fim a eles.

 

E ela não falava nada, eu apenas ouvia sua respiração,foi dificil compartilhar sua aflição, então Lia finalmente disse:

            -Posso apenas chorar no telefone?

 Eu disse que sim, obviamente. E foi isso, chorou alguns minutos e desligou.

 

Lia é dupla  canceriana e eu duplo libriano. Em 2013 foi amor ao primeiro scrap,nos conhecemos  pela rede e foi paixão fulminante. Ficamos alguns meses namorando pela rede até que certo dia fui trabalhar perto de sua cidade do interior e nos conhecemos em  Curitiba.

Lia era de formação campesina, neta de italianos, tinha forte educação e orientação católica. Era envolvida desde adolescente com partidos políticos de centro, amiga de políticos influentes, teve até um caso velado com um senador idoso quando esteve em Brasília aos 19 anos.

 

Ela pensava que ia me consertar mas as pessoas não consertam umas às outras...e nunca se tornam nada além do que sempre foram, mas eu a iludi durante um tempo sendo algo que eu não era. Sou de temperamento bélico e cosmopolita, até fico um tempo no campo mas o canto dos pássaros e o bater de asas de borboletas vão me irritando lentamente.

Aí ela me telefonou e eu sabia que isso ia acontecer em algum momento, mas não assim, ligar pra chorar no telefone sem falar uma palavra.E eu ainda a amava, apesar de não admitir pra mim mesmo.

 

Uma infelicidade familiar logo se instalou em mim, a essa altura havia uma contradição entre o meu ódio e o meu não  ódio por ter sido abandonado ou por me sentir assim.

Mas será que eu tinha sido abandonado ou eu provoquei tudo isso?

Num certo momento em que eu a amava muito ela me propôs ser livre pois percebeu que era muito difícil lidar com toda a questão familiar, eu me sentia deslocado.

 Eu tinha que medir as palavras na hora dos  jantares  em família mas eu não queria liberdade, queria o sacrifício de viver com ela apesar de tudo.

 

E eu ali ao seu lado, não via as coisas como são e sim como eu era. Eu não me sentia incluso e na verdade não fazia o menor esforço pra tal, vivia no meu mundo privado, lendo e bebendo e escrevendo.

 Eu tomava um café bem reforçado às 7h e às 11h já tomava o primeiro copo de vinho. E ela não gostava dos meus hábitos alcoólatras, mas eu não conseguia conviver com tudo aquilo tão sóbrio. E além de tudo, o meu ego, não me bastava eu burlar as regras na nossa união, eu tinha que criar as minhas próprias regras também. Era assustador pra ela.


                                                                       by@johandsonrezende


Eu era munido de frases, de ideias, imprevistos, como chaves de fenda pra produzir curto circuitos (como disse  Foucault) e produzir curto circuito na família, desqualificar e assim quebrar a onda de sistemas  de poder. Lógico que isso tudo desagradava profundamente sua mãe e seu irmão mais novo de 20 anos adorava e ficava extasiado com minhas colocações e tentativas de “tocar fogo no apartamento” no café da manhã.

 

E todo esse meu comportamento, escrever e beber   era pra dar vida, mostrar  a vida onde ela está sufocada,era pra traçar uma linha de fuga, promover o encontro que faria  ela pensar. Nos tirar da rotina. “ Tocar fogo no apartamento”

  

 Eu ainda a amava. Amor incondicional...tem um ponto que o amor acaba ou ele cresce exponencialmente ate o infinito e eu não podia amar mais além daquele ponto.E quando finalmente  voltei da turnê “Mulher do Fim do Mundo”  tinha percorrido quase toda a Europa, eu estava desarmado, um 38 sem balas,um coronel sem exercito,eu precisava me reeducar, o meu egocentrismo. Eu no centro da sala, diante da mesa com sua família. Eu gravitando a sua volta mas dissimulando o contrário. Eu a amava demais!

E sempre fui de temperamento bélico, as armas todas carregadas. Granadas de boca.

Espada nas mãos.

Virus letal no olhos.

Eu te amava demais! Te amo ainda ¿

 

São Paulo- Outono de 2022.

 

Ps: Não te desejo mais.E a sua ausência preenchendo minha vida por completo,como uma droga, e me destrói!

Paguei um preço alto por esses fracassos, mas minha escrita é tudo o que tenho.

E eu pensava que Deus havia criado você pra mim!!!

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